terça-feira, 30 de novembro de 2010

Todo começo tem seu fim...

... e este blog nasceu com uma data para terminar. 

E esta data chegou.

Os encontros do Círculo de Leitura e de Produção Escrita se encerraram no dia 16 de outubro - leia aqui e aqui sobre o último encontro.

O blog se manteve até agora, final de novembro. Para novas produções escritas dos participantes. E assim estamos. Com muitas escritas de contos, que podem ser lidas aqui. E todas as leituras que realizamos durante os dez encontros podem ser lidas aqui

Na barra lateral do blog consta o propósito desta engenhosidade de interação virtual, que existiu enquanto o grupo existiu. 

O blog continuará no ar. Apenas não mais será atualizado. 

Comentários continuarão sendo bem-vindos. Assim como as leituras silenciosas de todos.

Como mediador do Círculo de Leitura e de Produção Escrita, registro meu agradecimento a todos os que se dispuseram a participar dos encontros, a todos os que se envolveram com as leituras e com as escritas, e a todos os que acompanhar nossas produções escritas neste espaço virtual. O meu sincero muito obrigado, porque se não fosse por todos vocês esta pesquisa e este blog não existiriam. 

Os resultados da pesquisa e essas partes "chatas" academicamente falando não cabem aqui. E é melhor que seja assim. Um blog como este não mereceria a rigidez de um relatório ou de um artigo de pesquisa acadêmica.

Que possamos encontrar outros projetos assim aí pela blogsfera. E que possamos divulgá-los, com certeza.

Ítalo Puccini, pesquisador-mediador. 

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Escrever como o debate intermitentemente esquizofrênico entre o eu-lírico e o eu-louco

por Juliano R. Maciel

Tem gente que não regula bem. Há doidos. Há loucos de pedra. Normais são muitos, reconheço. Alegro-me, contudo, ao saber que posso contar com os doidos para atazanar a paz pouco merecida da gente que fecha os olhos para o que não presta (doravante, normais).
Esses doidos são os tais que não funcionam direito como seres humanos. Não gostam de nada, às vezes, nem de não gostar de coisa alguma. Em contrapartida, há aqueles doidos que gostam de tudo, que não vivem sem nada, que gostam sobretudo de gostar das coisas que gostam. Constituo-me, assim, como doido.
Mas minha doideira é ambivalente, o que me permite enumerar enfim o terceiro tipo de doido da tríade insana que postulo: diferente e igual aos que não gostam de nada, igual e diferente aos que gostam de tudo – há os doidos que gostam e desgostam das coisas todas, seja alternadamente ou ao mesmo tempo.
Acompanhe, por exemplos, minha linha de raciocínio: seria Amoz Oz capaz de gostar de todas as coisas? E Cora Coralina, de desgostá-las? Será que Cecília Meirelles demonstrou desdém? Em que Adélia Prado cuspia em cima? O que Monteiro Lobato gostava de elogiar? O que Nelson Rodrigues amava acima de tudo?


Esses doidos são, antes de tudo, escritores. Não dos que exercitam o ato libidinosamente arriscado de rabiscar poemas em um caderno escolar ou mantém o hábito condenável de compor esquetes nas últimas páginas que possuem, mas daquele arquétipo do cientista maluco (sendo eles mesmos grandes mantenedores de arquétipos).

Meu eu-louco ojeriza:
“O que é a escrita, contudo, se não um espaço de testes? Grandes testes. Escrever é uma ciência, não é uma arte. Escritores são cientistas, gente chata e banal dada a grandes acontecimentos. Fazem alarde de ocasiões. Fazem pouco do que é visceral. Criticam. Escrevem A Montanha Mágica. Mantém fantasias secretas com Madame Bovary e querem muito outro fim sangrento para Os Miseráveis. Eles são cientistas, sim, pelo fato de recriarem o que já foi criado e recriado centenas de vezes, ou cientistas pelo fato de testarem em seus laboratórios misturas que levam a resultados ainda indizíveis.
Sim, pois o que são livros senão laboratórios? Capítulos são tubos de ensaio onde se misturam componentes históricos, sociais, humanos, divinos e diabólicos, despejados todos no grande cadinho da obra prima, uma redoma de vidro e tinta de onde se pode observar muito confortavelmente, como leitor, o resultado de testes não pensados. E se aqueles personagens existissem? E se aquelas guerras, celeumas, curas, milagres, mundos, todos tivessem existido? O que seríamos todos nós hoje? O que aconteceria se o que é escrito fosse um relato da realidade inescapável? Bem, isso é a escrita: um local seguro onde cientistas malucos fazem testes, onde componentes instáveis são expostos a reagentes explosivos, onde podemos ter uma noção do que seríamos e do que faríamos se o “E se...” pudesse sempre ser escolhido, avaliado e, quando necessário, apagado.
Na escrita podemos fazer testes, tentar supor como é a natureza dos homens e de suas ideias, como se resolvem conflitos criados somente naquele laboratório de ratos que é o livro.”

Meu eu-lírico conjectura (não sem antes falar: “Zangaralhão!”):
“O que é a escrita, digo, se não uma brecha? Uma fenda entre mundos, um universo à parte, um parênteses imenso aberto por sabe-se lá que vontade? Soberbas vontades. Escrever é uma arte. É escapulir. É a ideia pulando para o papel e o escritor pulando para muito além. Escritores são escapistas, sem-vergonhas, levianos. Imaginam na hora de acordar e dormem na hora de realizar. Soneteiam nas filas dos bancos. Compõe no banheiro. Matam e ressuscitam personagens no passeio pela praça. Escrevem Mrs. Dalloway. Imaginam a luxúria da Senhora. Eparrei Oyá com O Sumiço da Santa. Se fizessem um auto-retrato no barro, modelariam só metade. Ou bateriam só metade do mármore. Ou pintariam só metade da tela. A outra metade está sempre inacabada, sempre precisando dos cortes finais, sempre precisando de um retoque, um reparo. Nunca estão acabados. Arte longa, vida breve, deixam de viver se acabando.
Claro, pois como ser um ser completo se o que se faz nunca está pronto? Como pode separar-se a obra do obreiro, remover de ambos a marca do inacabado? Não se escreve para os outros, escreve-se para si. Escrever não tem função social, mas é tão útil quanto o que é útil. Lê-se porque os seres humanos todos são bisbilhoteiros e querem mexericar a parte inacabada de certos alguns.
Se finda a obra, contudo, termina também a vida do obreiro. Escritores vivem depois de terminar um livro ou soneto porque não aguentam mais olhá-lo, querem livrar-se dele, afastar-se para sempre, parar de tentar acabá-lo. A perfeição, afinal, é o sinônimo da morte. Da hora de poder murchar.”

Concluo, enfim, que doidos por doidos o mundo seria pior sem livros, sem escrita, sem leitura. Laboratórios ou pedaços da alma, livros são espaços muito racionais ou muito mágicos para serem devidamente apreciados por qualquer ser humano. Nem quem escreve tem consciência do que realmente está fazendo, não entende com o que está lidando.
Mas também, para quê?

Zangaralhão!
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Produção proveniente do décimo encontro do Círculo de Leitura e Produção Escrita.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

O começo que nasce para morrer - por Ítalo Puccini

Se um fim é uma possibilidade de começo, um começo deve ser também uma possibilidade de começo. De recomeço, talvez. Muito possivelmente. A tendência de um começo é a morte instantânea. Ao mesmo tempo que o renascer. Nenhum recomeço advém do nada. Ao contrário de um começo, que por vezes - talvez nunca? - faz deste (im)possível sua matéria bruta.
O começo de um texto é aquilo que mais renegamos. É a substância que brotamos de nós para ser jogada fora. É nosso apêndice. Nascido para morrer.
E mesmo aquele começo - de texto ou qualquer outro começo - que se apresenta a todos como definitivo, aquele começo que ficou definido como o começo de algo, está entregue à mudança constante. Não à morte, mas à mudança. Pois ele nem sempre será lido como o começo que se propôs a ser. Por que não o lermos como uma possibilidade de final, então? Será daí que todo fim é um começo?, uma vez que cada nova leitura pode ser a morte e o enterro da leitura anterior, sugada antes de não mais existir.
O começo de livro que até hoje mais me marca é este: "Na primavera de 1998, Bluma Lennon comprou numa livraria do Soho um velho exemplar dos Poemas de Emily Dickinson, e ao chegar ao segundo poema, na primeira esquina, foi atropelada por um automóvel". É do livro "A casa de papel", do argentino Carlos Maria Domínguez. Por que este começo? Porque a mim toca profundamente. Porque eu, enquanto leitor que sou, prendi a respiração - com o livro em mãos - ao ler este trecho, e me detive nele por muito tempo, para depois ir adiante no romance. Um bom começo também pode ser um caminho para o abismo da decepção.
O começo como morte é a oportunidade de não estranharmos muito o novo começo, o recomeço. E de não sentirmos muito aquele que não mais existe, porque nada nem ninguém vem para substituir algo ou alguém, mas para acrescentar, para existir a partir daquilo/daquele que não mais.

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Produção proveniente do décimo encontro do Círculo de Leitura e Produção Escrita.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Começo de um conto, por Ana Paula Kinas Tavares

   Eu que nunca lembro o começo de um filme ou de um livro, encanto-me ao adivinhar uma canção em seus primeiros segundos. Queria começar assim todos meus contos, como os primeiros acordes de canções inesquecíveis. Gostaria que nem todo leitor adivinhasse o que viria, mas se encantasse e recordasse. Não quero a monotonia do “era uma vez”, nem distanciar o leitor do conto narrando “numa terra não muito distante”. Quero a proximidade com a vida, um sujeito que aparece do nada, encontra uma mulher e desenvolve uma conversa. Ninguém explica quem são as pessoas que passam por você na rua. Quando você conhece alguém interessante não vai logo dizendo seu signo ou seus defeitos, não conta como seus pais se conheceram ou a origem do seu nome. Meus personagens não precisam ter suas vidas expressamente descritas, o passado deixo o leitor imaginar, quero o presente, a cena que nossos olhos apreciarão.
   Eu sugiro a cor lilás na camisa do protagonista e o leitor vai compondo sua personalidade, seu jeito desinibido e seu caminhar imponente. Eu dito uma fala e é o leitor quem sente a voz grave do sujeito. Eu escrevo sobre o olhar atento da mocinha, e permito ao leitor sentir seu pulso acelerado ou a canção que toca no bar. Mas, eu não disse que estavam num bar. E esse é o jogo, se estão sentados, se bebem, o leitor vai criando o cenário, que pode ou não ser futuramente destruído (ao ser por mim descrito). Se eles saem dali, a história vai se fazendo, e o começo já não é tão importante, mas sempre lembramos aquele primeiro olhar. Como a capa de um livro ou o primeiro beijo, é ele quem nos prende, mesmo que não nos diga muito, não se explique ou, seja passageiro.
   Eu abro mão dos fatos para falar dos sentimentos, e mesmo o leitor mais “superficial” imagina um beijo quando apenas digo que “se tocaram, na alma, nos corpos que estavam tão pertos”. Sente o primeiro toque dos lábios, a mão do protagonista acariciando o rosto dela e por aí vai. Se continuo a poetizar um leitor envolvido já sente o cheiro de prazer, o gemido e o gozo. Mas, eles ainda estão num bar, é só uma conversa envolvente num primeiro encontro sendo descrita. Isso escrito, isso para as palavras. Quem sente já viveu dias, encontros, e está no conforto do ninho de amor. Ainda que as personagens nem tenham sentido os sinos românticos ou suspirado o encontro.
O meu propósito de começo é instigar o leitor, convidá-lo a criar comigo. Não costumo seguir Machado falando com o leitor, mas acredito que ele me entende. Até me segue. Na subjetividade das primeiras descrições ou na falta de informação, ele vai preenchendo as lacunas. Não segue um padrão ou um roteiro, cada leitura terá uma direção. Esta, geralmente, guiada pelas próprias experiências além do mundo literário. Um amor do passado ou uma professora do primário pode servir de inspiração ao leitor, assim meu protagonista pode sonhar em ser jogador de futebol e sua futura namorada ser pedagoga. E eu, que nem pensei numa profissão, viro apenas uma mediadora desse encontro entre leitor e personagens. 

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Produção proveniente do décimo encontro do Círculo de Leitura e Produção Escrita.