O título desta postagem, que aponta para uma possível contradição entre duas palavras de sentidos opostos - último e começo - tem um porquê. Realizamos, de fato, o décimo e último encontro do Círculo de Leitura e Produção Escrita. Um encontro em que conversamos sobre o filme assistido no encontro anterior (ver post anterior), e também fizemos a leitura da introdução e da conclusão do livro "E a história começa", do escritor israelense Amós Oz. E foi a leitura destes dois textos de Oz que leva à contradição do título: o último encontro, em que muito conversamos sobre começos de histórias.
Após, então, a conversa sobre o filme "Narradores de Javé", iniciamos a leitura dos dois textos do livro do Amós Oz. No primeiro texto, que é a introdução do livro, o autor discorre sobre a dificuldade que é iniciar uma história. Ele admite sentir inveja de seu pai, que escrevia livros acadêmicos, e que, por isso, sempre quando ia escrever algo, sentava-se rodeado de livros e, a partir deles, produzia. A inveja sinalizada por Oz é a de que para ele, escritor de histórias, e não de textos acadêmicos, sentar para escrever algo era "encarar uma única e zombeteira página em branco no meio de uma mesa árida, como uma cratera na face da lua. Somente eu e o vazio e desespero. Experimente alguma coisa a partir de absolutamente nada". E este trecho nos levou a pensarmos nesta "escrita a partir do nada". Até que ponto ela de fato existe e assim acontece? Até que ponto produzimos de um nada? Que nada é esse?
Segundo Oz, "Uma página em branco é, na verdade, uma parede caiada sem porta ou janela. Começar a contar uma história é como passar uma cantada numa pessoa inteiramente desconhecida, num restaurante". E no restante do seu texto o autor israelense vai apresentando ao leitor inúmeras possibilidades de se começar uma história envolvendo alguns personagens definidos por ele. Mas e desde quando teriam que ser aqueles personagens? Como definir sobre qual personagem iremos contar algo? E o que deste personagem será contado ou escondido do leitor. E mais, de que forma poderemos contar esta(s) vida(s)?
Um texto que leva o leitor a inúmeras perguntas sobre este processo de começar uma história. Um texto que pode ser marcado por uma frase de apenas três palavras, que praticamente divide o texto ao meio: "É difícil começar".
Talvez por isso a proposta de escrita final para o grupo transita por isto: escrever sobre como é escrever o início de uma história. Escritas que vão apresentar um tanto de metalinguagem. Que histórias com inícios de histórias serão postadas neste blog, como forma de encerrar o trabalho desenvolvido durante estes oito meses de encontros para leituras e escritas?
O texto de conclusão do livro de Oz aponta para o resgate da leitura como prazer ocioso para o leitor: "os prazeres da leitura, como outros prazeres, devem ser consumidos em pequenos goles". E é com dois parágrafos deste texto que encerro estes escritos sobre os encontros deste grupo de leitura, destes leitores em formação que nos dispusemos a ser.
"O jogo da leitura requer que você, leitor, assuma uma parte ativa, traga o campo de sua própria experiência de vida e sua própria inocência, bem como cuidado e astúcia. Os contratos iniciais são às vezes esconde-esconde e às vezes uma espécie de jogo tipo Genius e às vezes mais parecidos com um jogo de xadrez. Ou pôquer. Ou palavras cruzadas. Ou uma travessura. Ou um convite para um labirinto. Ou um convite para dançar. Ou um galanteio zombeteiro que promete mas não entrega, ou entrega os itens errados, ou entrega o que jamais prometeu ou entrega apenas uma promessa.
E em última análise, como com qualquer contrato, se você não ler as letras miúdas, pode ser ludibriado; mas às vezes pode ser ludibriado precisamente por se atolar nas letras miúdas e não conseguir ver a floresta, de tanto olhar as árvores".
Ítalo Puccini, pesquisador mediador.