quarta-feira, 30 de junho de 2010

quinto círculo: descrições de espaços e atmosferas

Na noite de hoje encontramo-nos para o quinto encontro do Círculo de Leitura e de Produção Escrita, especialmente hoje na sala do Laboratório de Línguas.

A proposta foi a de, durante uma hora, continuarmos o ritmo de leitura de contos que lidam com a descrição minuciosamente. E, se nos encontros anteriores lemos e conversamos sobre alguns contos de Machado de Assis (e a descrição de personagens - psicológica, principalmente - possíveis de serem lidas) e de Lucia Bettencourt (e a descrição cuidadosa de algumas ações e atmosferas criadas em seus contos), no encontro de hoje nos concentramos na leitura de três contos do livro "Morangos Mofados", de Caio Fernando Abreu (contos "Diálogo", "Pela passagem de uma grande dor" e "Luz e sombra"), ficando um conto ("O dia que Júpiter encontro Saturno (Nova História Colorida)") para ser lido em casa pelos participantes.

A primeira observação registrada, antes mesmo de lermos os contos, foi sobre a formação do livro "Morangos Mofados". Sua estruturação. A divisão em três capítulos (sendo o último com somente um conto, que dá título ao livro), com os dois capítulos primeiros sendo "Mofo" e "Os morangos". E novamente tivemos um olhar para as dedicatórias, algo já observado nos livros da Lucia Bettencourt, e que se torna marcante também neste livro do Caio F. Abreu, pela quantidade de dedicatórias, seja nas divisões de capítulos, seja em cada conto.

A escrita do autor, neste livro, retrata a década de 70 e todas as transformações sociais, políticas, econômicas e culturais vivenciadas durante aquela época. Há uma atmosfera de dor e de solidão nestes contos. Uma busca pelo ser humano, pelo interior de ser um humano. E a descrição de Caio Fernando Abreu é tão rica nestes contos que, durante a leitura dos mesmos, nós, do grupo, sentimos de maneira muito forte essa atmosfera descrita, de solidão, de um desespero silencioso e longo, angustiante. Inclusive as leituras dos contos, principalmente no começo do encontro, naquele primeiro contato com o texto, deram-se bastante cadenciadas, quase que arrastadas, como "pedia" o texto, o conto. Um exemplo de como cada texto "impõe" uma forma de leitura ao sujeito-leitor (basta pensarmos os contos dialogados do livro "A cabeça", do Luiz Vilela, e estes contos do Caio Fernando Abreu).

A partir destas leituras - "relacionando" as descrições presentes em Machado de Assis, Lucia Bettencourt e Caio Fernando Abreu - a proposta de escrita para o grupo - aproveitando o período de pouco mais de um mês sem encontros - é a de contos que primem pela descrição cuidadosa, seja de personagens, seja de ações ou de espaços e atmosferas, densas ou não, ou de todas essas características numa mesma narrativa.

É hora de rabiscar pra valer!


Ítalo Puccini, pesquisador mediador.

domingo, 20 de junho de 2010

quarto círculo: a descrição nas narrativas

Na manhã de sábado, 19, encontramo-nos para mais um encontro do Círculo de Leitura e de Produção Escrita, na sala do Lappe, das 9h às 11h da manhã.

Conforme havíamos combinado no encontro anterior, trouxemos novamente o material com alguns contos do livro “50 contos de Machado de Assis”, organizado por John Gledson. E foi com um conto machadiano que iniciamos a leitura deste quarto encontro do grupo.

Lemos “A cartomante”. A história de Vilela e Rita e Camilo. Ou de Camilo, Rita e Vilela. Um conto descrito de maneira riquíssima. Personagens escancarados ao sujeito-leitor. Um triângulo amoroso. Em cheque, a questão da crença. Seja em uma cartomante, seja em um amigo ou mesmo na própria esposa. A cartomante descrita por Machado é uma personagem sinistra, que apesar de não ter nem o seu nome revelado, destaca-se como um personagem que ludibria os personagens principais. Rita crê que a cartomante pode resolver todos os seus problemas e angústias. Camilo, já no fim do conto, quando está prestes a ter desmascarado seu caso com Rita, no ápice de seu desespero, recorre a esta mesma cartomante, que por sua vez o ilude da mesma forma como ilude todos os seus clientes, inclusive Rita.


Então, passamos a uma outra leitura de uma outra "A cartomante". Um outro conto, de mesmo nome, do livro "A secretária de borges", da escritora Lúcia Bettencourt. Um conto riquíssimo na descrição não só dos personagens, mas das ações e dos espaços situados na história (talvez mais destes do que dos personagens em si). O leitor fica se perguntando quem é o "ele" da história. O "ele" que procura por uma cartomante. E o leitor percebe, tal qual em Machado, a obviedade dos dizeres da cartomante. E percebe mais. Percebe uma diferença de final para os dois textos. Se em um temos um final brusco e bem definido, em outro nos deparamos com um final que nos leva à teoria de Piglia, das diversas possibilidades de finais de narrativas, que ficam a critério do leitor definir.

E, para sentir mais de um conto riquíssimo em descrições, partimos para a leitura do conto "O inseto", presente no mesmo livro. Um conto envolvente. Uma possibilidade de releitura para "A metamorfose", de Kafka, por exemplo. Se neste temos um humano que acorda como barata, naquele deparamo-nos com uma barata que se humaniza. E, como leitores, somos envolvidos por esse humanizar-se. Pela presença de um inseto. Depois, de um homem. E não conseguimos nos separar da personagem feminina que encara de frente esse inseto-humano. Fica-nos o olhar de leitor-curioso, do que ela fará, do como ela agirá, ou do porquê deste ou daquele jeito ela agiu. Somos envolvidos por uma narrativa cuidadosamente descrita e construída num tom de mistério. E fomos, então, levados a leituras outras, como a de "A paixão segundo G.H.", da Clarice Lispector, aquele encarar a barata, matá-la e a partir daí tudo se desenrolar. Leituras que se cruzam em um grupo.

Por fim, os participantes ainda levaram para casa o conto "Segredos da carne", do mesmo livro, e "A predadora", do livro "Linha de sombra", da mesma autora. Sem contar o desafio de produzirem, a partir de agora, um conto que prime pela riqueza de detalhes, pela descrição cuidadosa, seja de personagens, de espaços, de ações, e pelo tom misterioso conduzindo a história.


Ítalo Puccini, pesquisador mediador.

terça-feira, 8 de junho de 2010

terceiro círculo: um clássico contemporâneo

Hoje nos reunimos para o terceiro encontro do Círculo de Leitura e Produção escrita. Um encontro rápido, de somente uma hora. De muita leitura.

Foi proposta a leitura de cinco contos do Machado de Assis. "Um apólogo", "O espelho", "Fulano", "Conto de escola" e "A cartomante". Todos contos presentes no livro cuja imagem está acima. Uma coletânea dos 50 melhores contos do Machado de Assis, organizada por John Gledson, americano estudioso da obra machadiana.

Pelo tempo disponível, e pelas conversas oriundas das leituras, conseguimos ler somente os três primeiros contos. Os outros dois ficaram para ser lidos pelos participantes até o próximo encontro. Inclusive, deixamos combinado que o quarto encontro iniciaremos com a leitura do conto "A cartomante", para retomarmos as leituras feitas neste encontro.

Algumas observações, ainda rasas, não havendo mesmo necessidade de serem mais aprofundadas neste momento, e dentro do tempo que tínhamos à disposição, deram conta daquela que para nós, participantes, é a característica principal da escrita de Machado de Assis: sua contemporaneidade, assim chamamos.

O texto do Machado é atemporal. Por mais que muitos textos deste autor situem numa linha de tempo-espaço o país e o mundo, as possibilidades de leitura dos mesmos tornam-nos atemporais, no sentido de que, se lidos à época em que foram escritos, ou lidos hoje em dia, e até nos dias que virão, continuarão sendo muito bem contextualizados no momento presente. Isto devido, acreditamos, à construção de personagens e de tramas muito bem urdidas pelo autor.

Nos textos selecionados, inclusive, a densidade dos personagens, o quanto eles são "escancarados" ao leitor - ao mesmo tempo que o texto não os entrega em suas características, sendo preciso que o leitor as descubre numa leitura bastante atenta e não linear - se fez notória neste encontro. Salientando também os sentimentos humanos mais humanos que tais personagens afloram, como vaidade, inveja, ciúme. Sentimentos tão nossos, enquanto humanos que somos, mas tão difícies de serem lidados, seja em nós mesmos, seja nos outros, próximos ou não a nós. Daí, portanto, tal contemporaneidade deste texto clássico. Daí, portanto, tal possibilidade de leitura sempre no presente. E muito mais ainda por pensar para o encontro próximo.

Ítalo Puccini, pesquisador mediador.