domingo, 30 de maio de 2010

Arengas Matinais - por Juliano R. Maciel

“Vamo acordando vagabundo.” Tinha alguém ali naquela cadeira ao lado da cama, onde sempre ficava um terno surrado.
“Quem taí?” Uma luzinha vermelha cor de brasa acendeu e logo apagou. Um cigarro.
“Não é óbvio?” Quem fumava na cadeira era um esqueleto. O cara na cama sentiu-se todo mole, uma pasta de carne e tendões.
“Que porra é essa?!”
“Pois é, que porra é essa de ficar dormindo até as nove e quinze?” o esqueleto do cara levantou e abriu a janela.
“Como você saiu?”
“É fácil.” O esqueleto do cara deu mais uma tragada, a fumaça saía pelos buracos da caveira.
“Poxa, meus dentes tão horríveis.”
“E sua coluna também.” Dizendo isso o esqueleto do cara apontou umas duas vértebras tortas.
O cara ficou sem falar.
“Acho que vou dar uma volta cara.”
“Aonde você vai?”
“Pra que ficar aflito? Sem mim você pode ficar bem quietinho aí.”
“Então porque me acordou?”
O cara não teve resposta. O esqueleto do cara foi até o armário e abriu.
“Vai se vestir?”
“Não pode?”
“Mas vai cobrir o quê?”
“Serve isso?” e abriu os braços, mostrando para o cara todos os ossos.
“Ok, mas cobrir o quê?”
“Sei lá” o esqueleto do cara olhou com órbitas vazias o buraco da bacia, a pélvis descarnada.
“Você sente frio?”
“Não.”
“Então, vai cobrir pra quê?”
“Sabe cara, se você fosse mulher e eu fosse o esqueleto de uma mulher, eu até me cobria. Esse buraco aqui da pélvis, da bacia sabe... sugere coisas pra quem tem mais osso do que cérebro.”
“Pois é, mas a gente não cobre por que sugere. A gente cobre... sei lá, por vergonha, pra proteger, sei lá.”
“Só se for proteger dos olhos dos outros.”
“Acha que vão te olhar se você sair na rua?”
“Acho. E vão logo descer a vista pros ossos entre os fêmures. Não só pra saber se sou de homem ou de mulher, é porque gente gosta de bizarrice mesmo.”
“Homem ou mulher? Esqueleto agora é homem ou mulher?” O esqueleto do cara foi até a cama e arrancou um fio de cabelo do cara.
“Isso aqui é homem ou mulher?” mas o cara não entendeu aquele ponto de vista da lógica esquelética.
“Tá bom, ok, ok, veste o que quiser.”
“Só ia colocar um casaco.”
“Você disse que não sente frio...”
“Claro. A gente se cobre porque é bonito se cobrir. Ninguém vai ligar pra mim na rua, mas desde que eu esteja com um casaco. Pode ver: que boa coisa, estratégia pura. Usar a roupa pra não se incomodar. Pra desaparecer aparecendo.”
“Incomodar?”
“É, com os outros. Quem recebe toda a carga é a roupa, o corpo dentro fica isolado. Reclamam da roupa, não do corpo, mesmo que seja um corpo só de ossos. Agora, sem roupa, não dá... chama atenção demais. Sabe, o homem é o esqueleto da roupa.”
“Então tem muita gente com fratura exposta por aí.”
“É, pois é. Quer que eu traga algo da rua?”
“Hmm. Sei lá, compra pão.”
“Ok.”
“Que horas você volta? Eu tenho que digitar uns relatórios.”
“A gente se vê.”
“Ô, peraí! Vê se volta heim! Preciso de você!”
“Será mesmo?” o esqueleto do cara colocou um casaco. No bolso, pôs um isqueiro, uma carteira de cigarros e um pouco de dinheiro miúdo. O cara ia dizer que era outro bom motivo pra se vestir, esse de carregar as coisas, mas não estava pra papo.
“Volta heim.” Limitou-se a dizer, mole como estava. Podia sentir o coração empurrando os pulmões a cada batida.
O esqueleto do cara saiu e encostou a porta do quarto. O cara ouviu os pés batendo que nem chocalho pelo corredor, descendo as escadas e saindo para a rua.
O cara olhou no relógio. Estava tarde.
“Filho da mãe, não trancou a porta.” Fechou os olhos.
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produção proveniente do segundo encontro do Círculo de Leitura e de Produção Escrita.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Desflorescer - por Adriana Bernardes

“E por que eu pensaria nisso?”
“Sei lá... nunca passou pela sua cabeça essa possibilidade?”
“Na verdade... não”
“Você tem pensado muito nisso?”
“Muito... nos últimos dias.”
“Você realmente teria coragem?”
“Sim.”
“Não acha mais fácil tentar encontrar uma solução?”
“E porque eu iria querer permanecer aqui como estou?”
“Por muitas razões. Não há momentos em que você se sente realizada em situações bem banais?”
“Hum... não. Bem... talvez. Já vi algumas árvores que me deixaram extasiada com sua beleza e grandiosidade... adoro as árvores! Principalmente as que florescem em determinadas épocas do ano, como os ipês, as flamboaiãs, são árvores magníficas!”
“Então, essas pequenas coisas não fazem você sentir o desejo de permanecer? Não te trazem memórias?”
“Talvez... quando eu era mais jovem minha mãe me levava ao parque da cidade e eu me abraçava às arvores e ficava ali, durante horas, conversando com elas. Elas não me diziam muita coisa, mas eu ficava ali tentando ouvir alguma resposta. O silêncio de hoje me incomoda mais que o silêncio das árvores”.
“O que a incomoda?”
“Não ter pedido algumas desculpas; não ter abraçado algumas outras tantas árvores; não ter estado perto de algumas pessoas; ter adiado certas escolhas...”
“Talvez você devesse permanecer para concluir essas tarefas.”
“Não há mais tempo.”
“Por quê?”
“Porque cuidei de estar ausente há alguns minutos atrás.”
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produção proveniente do segundo encontro do Círculo de Leitura e de Produção Escrita.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Traição - por Jessica Bianchi Leite

- Me diz.
- Já disse: não fiz nada!
- Confessa. Todo mundo já sabe.
- Todo mundo, não.
- Eu te vi com ela.
- Então por que pergunta?
- Ah, então você confessa?
- Se você disse que viu...
- É, eu vi.
- O que você viu?
- O que você fez.
- Deixa pra lá.
- Não desta vez. Já deixei pra lá há muito tempo.
- Você sabe que não vai ganhar nada com isso, a gente sempre volta.
- Mas não te quero mais.
- E se for mentira?
- E se for verdade?
- Você só acredita no que os outros falam.
- Isso significa que a palavra dos outros tem mais valor que a sua.
- É por isso que faço isso. Você não me dá valor.
- Então você fez?
- Fiz.
- Cachorro!
- Você me obrigou.
- Ainda me culpa por sua infidelidade!
- Você já não me vê como antes.
- Você mudou muito.
- Por você.
- Não venha com chantagem.
- Essa foi a última vez.
- Você sempre diz isso.
- Dessa vez é sério.
- Cansei de tentar.
- Me dê mais uma chance.
- …
Silêncio. Anoitece. Amanhece.
- Amor, estou indo trabalhar. Até depois.
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produção proveniente do segundo encontro do Círculo de Leitura e de Produção Escrita.

Rivalidade - por Jessica Bianchi Leite

“Como vai, amor?”
“Como posso ir? Você não viu o que aconteceu?”
“Vi. Mas queria que você esquecesse.”
“Esquecer?”
“É.”
“Isso não se esquece.”
“Se você fizesse o mínimo de esforço...”
“Para, Anita. Quero dormir. Estou cansado desta vida.”
“Relaxa. Esqueceu que eu também trabalho?”
“Mas isso não faz sentido. Eu sou pós-graduado, você não tem o mínimo de conhecimento, como consegue ganhar mais que eu?”
“Porque você, no momento, não ganha nada.”
“É por isso que estamos assim. Nossa vida social não combina. Por isso a gente sempre termina”
“Não dá certo porque você é um machista.”
“Machista? Quem é que dá em cima do chefe para ganhar aumento?”
“Eu não, quem disse isso?”
“Toda a vizinhança.”
“Ah, tá!”
“Sim, e não quero mais ficar submisso a minha mulher. Vamos terminar logo com isso.”
“Tá bem. Você sai. O apartamento é meu, eu que pago as contas...”
“Assim não, preciso de tempo.”
“Que tempo? Já teve tempo demais. Até perder o emprego.”
“Tá, fico por uma semana.”
“Pode ficar.”
“Vou tomar banho.”
“No sofá.”
“Tenho meu quarto.”
“Faça o que quiser. Vou dormir.”
Ele vai até a cozinha, pega uma cerveja e volta para o quarto de Anita.
“Esqueceu?”
“Esqueci.”
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produção proveniente do segundo encontro do Círculo de Leitura e de Produção Escrita.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Ônibus - por Juliana do Amaral

Tarde de sábado. A mãe sentada no ponto de ônibus, impaciente, o filho do lado, balançando as pernas no ar. Um homem de meia idade aproxima-se e senta ao lado. Puxa um cigarro.
- Ah, mas era só o que me faltava...
- Que foi, dona? Tá falando comigo?
- Você não viu que tem criança aqui, não? Chega mais pra lá, filho, chega mais pra lá que eu não quero você respirando essa fumaça fedorenta.
- Ah, dá licença! Vai encher o saco de outro, vai!
- Olha o respeito, seu vagabundo! Não sabe que isso faz mal à saúde?
- A saúde é minha, o problema é meu! Vê se me deixa!
- Eu só acho que o senhor devia respeitar a criança! A coitada não tem culpa – responde, num tom de despeito.
O menino olha de viés. Depois torna a abaixar a cabeça, olhos fixos nos pés que voam alternadamente.
- Pó, dona, já não basta os meus problemas, ainda tenho que ficar ouvindo sermão? Dá licença!
- Hum. Problema todo mundo tem. Eu também tô assim, ó, de problema. Cigarro não resolve não. Vai por mim. Eu sei.
O homem olha ironicamente para a mulher ao seu lado. Só agora descobriu com quem estava falando.
- Então a senhora já...
- Parei quando – traça um semicírculo sob o ventre, fazendo sinal com a cabeça em direção ao filho.
- Pode não resolver. Mas alivia.
- É.
Após breve silêncio, ele oferece, num sussurro:
- Um traguinho?
- Você tá louco?
- Eia! Não quis ofender, não.
- Só quero se for um inteiro.
Retira do bolso a carteira amassada e passa um cigarro para a mulher ao seu lado.
- Fogo?
- Aham... Obrigada.
Dá uma tragada profunda e lenta. O filho observa, sem entender.
- Fica longe, filhinho. Essa fumaça faz mal.
Levanta-se, dissipando a nuvem com a mão. Olha para a rua.
- Essa droga desse ônibus... Sempre atrasa.
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produção proveniente do segundo encontro do Círculo de Leitura e de Produção Escrita.

Viu? - por Ítalo Puccini

“Mas como você não viu?”
“Não vi, oras, não vi”.
“Mas como?”
“Não vi, caramba! Ponto. Não vi”.
“...”
“Passou uma menina aqui do meu lado. Toda gostozinha, toda cheirozinha, toda...”
“Tá, cacete! Já entendi”.
“Mas você tinha de ver a menina!”
“Cala a boca! Eu ainda não acredito que você não viu!”
“Não vi, desculpa”.
“Que desculpa, o que?! Eu devia era te...”
“Olha lá, olha lá”.
“Olha lá o quê?”
“Olha lá, é ela, a menina gostozinha. Ai, meu jesus cristinho, me proteja”.
“Eu não acredito!”
“Ai, eu também não acredito. É perfeita demais ela, não?”
“Cala a boca, rapaz”.
“Ai, pra quê esse tapa?”
“Pra quê? Você merecia era mais, era levar uma surra mesmo! Você não sabe quem é ela, não, seu trouxa?”
“Eu vou lá”.
“Eu te perguntei se você não sabe quem é ela?!”
“Claro que não sei! Se soubesse, já tava andando de quatro por ela há muito tempo”.
“Meu deus do céu...”
“Eu vou lá falar com ela, pedir se ela não quer ajuda para carregar as sacolas, se ela mora longe, se não quer companhia até em casa...”
“Você nem sabe se ela tá indo pra casa, não viaja!”
“Por isso mesmo vou lá, pra perguntar se ela precisa de ajuda”.
“Quem vai precisar de ajuda aqui é você, porque eu vou te trucidar daqui a pouco!”
“Por isso é que eu vou já!”
“Ô, onde é que tu tá indo? Não! Espera!”
“...”
“Volta aqui! cuidado! Olha o caminh...”
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produção proveniente do segundo encontro do Círculo de Leitura e de Produção Escrita.

terça-feira, 25 de maio de 2010

Trivialidade - por Verônica Camilotti

Então, levantando-se da mesa após o jantar e com aquela vontade de instigar, diz:
- Pois é, querida, eu nunca vi você ler coisa alguma.
- E daí? Responde ela.
-E daí? Daí que... Como é que você dá conta de conversar tanto se você não lê e não se interessa pelo que acontece no mundo?
- Ora, como não me interesso?
Sarcasticamente ele continua...
-Sabe, meu bem, eu sei que você não é analfabeta porque assina cheques, mas...
Desanimada, pensa que essa situação tornou-se típica após o jantar quando ele está com algum problema no trabalho. Interrompendo-o, ela pergunta:
-Por um acaso você, de novo, está querendo briga? Que coisa mais chata!
- Não, claro que não. – Mas insiste – O que você tanto conversa com as tuas amigas?
- Se conversamos é porque temos assunto... E não te interessa...
- É, imagino!
Armando-se do propósito de também irritá-lo, contesta:
- Você não sabe? Somos bem informadas. Assistimos à novela e acompanhamos o BBB.
-Ah, é sobre isso que vocês tanto falam?
- É, e daí?
-Daí... Daí, nada. Vou pro quarto assistir futebol. Traz uma cerveja pra mim?
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produção proveniente do segundo encontro do Círculo de Leitura e de Produção Escrita.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

A pizza - por Clarissa Ritta Mileski

Sábado à noite, jogada na poltrona, ela reclama:
- Nada pra fazer, ô vidinha sem graça...
- Quer pedir uma pizza?
Pergunta ele atencioso, tentando consolar aquela carinha triste e desolada.
- Não, não é disto que estou falando – diz exausta, batendo as mãos nas coxas.
- Não?
- Não.
- Já sei, vamos comer fora?
-Mas você só pensa em programa de gordo?
- Eu só queria te ajudar. Ei, podemos pedir um X-salada, tirando o hambúrger, o resto é tudo saudável, que tal?
- Para. Não é isto que eu estou falando, Carlos – Diz ela levantando bruscamente da poltrona, fazendo gestos frenéticos – Eu quero algo emocionante, vibrante, entende? Uma aventura... Ah, Carlos, sei lá, você sabe do que estou falando...
-Não, não sei – diz ele, preocupado com sua ignorância.
Baixando a cabeça e voltando para a poltrona, ela se envergonha da rebeldia.
- Claro que sabe, esta rotina esmagadora...
- Não acho – diz ele, otimista e cheio de carinho – Sempre comemos algo diferente no fim de semana, se lembra da comida mexicana? Aquela foi de matar né?
- Dá pra parar de falar de comida?
- Foi mal, tava só ajudando...
De repente vem uma idéia, e ela volta a falar alucinadamente.
- Já sei, vai ter show na Notre hoje! É, isto...
- Ah, agora eu entendi. Se problema é com música, e não comida...
- Não, Carlos. Eu não tenho problema com a música. Eu quero sentir meu coração bater mais alto, adrenalina, sabe? Deixa pra lá, você não entende...
Já cansado de tanto tentar, ele se levanta e olha para a janela do apartamento.
- Claro que sei, meu amor. Quer maior adrenalina que isto? Agradar você num sábado às duas horas da madruga, é dose.
- Eu não pedi para você me agradar.
- E precisa pedir?
- Como se adiantasse alguma coisa...
-Tá bom, tá bom – diz ele, cansado – vamos na Notre, se arruma.
- Não fala assim comigo.
- Caramba, já concordei em ir, o que mais você quer?
- Quero sair, porra. Mas não assim..
- Assim como?
- Assim deste jeito, sei lá.
- Tá difícil. Se tu continuar empacando, eu vou pedir pizza.
- Eu preciso me arrumar, mas tô sem roupa. Não quero sair feia.
- Mas você é linda meu amor, eu te amo!
Ele a abraça carinhosamente, cheirando seus cabelos.
- Além do mais, preciso de maquiagem.
- Pra quê? Pra ficar velha mais rápido?
- Pra ficar parecida com a Pati. Uma vez você disse que transaria com ela, lembra? Porque ela tinha uma boca atraente, os olhos verdes...
- Para com isto amor, ela não é páreo pra você – preocupado – E aquilo era começo de namoro, eu falei porque você dizia que gostava de aventuras sabe, foi da boca pra fora...
Ela ergue a sobrancelha e lança um olhar desafiador.
- Eu anda gosto de aventuras, OK?
- Então tá! Vou pedir pra Pati trazer umas pizzas, pode ser calabresa?
- Carlos, não.
Balbuciou ela incrédula, enquanto Carlos procurava o celular no bolso da calça.
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produção proveniente do segundo encontro do Círculo de Leitura e de Produção Escrita.

domingo, 23 de maio de 2010

Amnésia da Gênese - por Ana Paula Kinas Tavares

“Ô pai!”
“O quê?”
“Como foi no começo com você e a minha mãe?”
“Faz muito tempo...”
“Você não se lembra?”
“Claro que sim!”
“Me conta?”
“Eu a conheci num festival, você sabe.”
“Não é isso, pai. Quero saber do amor.”
“Sua mãe responderia melhor.”
“Que machismo, pai!”
“Não sei falar dessas coisas, só isso.”
“Como foi a primeira vez de vocês?”
“Ela não era virgem.”
“Houve uma primeira vez sua com ela!”
“Faz muito tempo.”
“Tempo suficiente pra esquecer?”
“Era melhor que perguntasse essas coisas para sua mãe.”
“Precisava perguntar pra você...”
“Por quê? Que coisa.”
“Porque você é homem.”
“Claro que eu sou homem!”
“Não questionei...”
“Sua mãe lhe diria melhor.”
“Quero saber de um homem.”
“Procura outro.”
“Já procurei, pai. Ele vai ser pior que você. Vai me esquecer.”
“Não se esquece.”
“Você esqueceu. Casou-se com ela, teve a mim... E esqueceu.”
“Você deveria ter essa conversa com sua mãe.”
“Não preciso. Sei o que ela diria.”
“Você já sabia o que eu ia dizer.”
“É.” “Eu vou sair com ele agora. Almoçamos juntos amanhã?”
“Com ele quem?”
“Tenho que ir, pai. Até amanhã.”
“Eu não esqueci. Ele não...” Contudo, não havia mais ninguém para ouvir.
Ele esperava.
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produção proveniente do segundo encontro do Círculo de Leitura e de Produção Escrita.

Deveres Relacionais - por Ana Paula Kinas Tavares

“Você não entende.”
“Você não explica e quer que eu adivinhe.”
“Quando eu lhe conheci tudo era paz. Logo você se revelou. Insensível!”
“Não foi você quem propôs o pacto de sermos únicos? Está caindo no prosaico, mais uma vez. Indesejavelmente prosaica.”
“É por isso que a gente não transa mais?”
“Do que você está falando?”
“Faz 28 dias que não FAZEMOS SEXO!”
“Você deve estar louca.”
“Deve ser falta de sexo...”
“Deixa de ser vulgar, vai que alguém ouve.”
“Se alguém escutar que você não dá mais no couro, vai se importar?”
“Não dá pra conversar.”
“Qualquer homem ficaria provocado.” Um momento silencioso, ela continua: “Você não sente nada.”
“Eu sou insensível. Você já disse.”
“Adoro me repetir. Você gostava de fazer repetidamente comigo...”
“Você só pensa nisto?”
“Já tá tarde, levanto cedo amanhã. Era melhor quando a gente fazia...”
“Eu preciso acordar cedo amanhã. Terminou por hoje?”
“Vamo pro quarto?”
“Não é o que você quer?”
“Vamo?”
“Vamos.”
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produção proveniente do segundo encontro do Círculo de Leitura e de Produção Escrita.

sábado, 22 de maio de 2010

Segundo círculo: a narrativa constituída por diálogos

Hoje tivemos o segundo encontro do Círculo de Leitura e de Produção Escrita. Um encontro para muita leitura, muita conversa, e um tanto mais de produção escrita. Estiveram presentes 8 alunos de diferentes fases do Curso de Letras Licenciatura da Univille.
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A proposta de leitura foi de alguns contos do livro "A cabeça", do escritor Luiz Vilela (Editora Cosac & Naify, 2002). São dez contos que compõem o livro, e realizamos a leitura de cinco deles: "Luxo", "Calor", "Más Notícias", "Catástrofe" e "A cabeça", último conto do livro, que dá nome ao livro.
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Os contos deste livro de Luiz Vilela são constituídos todos por diálogo. A construção narrativa das histórias se dá por intermédio do diálogo envolvendo dois ou mais personagens. Dez histórias que apresentam dez diferentes situações de comunicação com as quais nós, leitores, muito podemos nos identificar, ou por já termos vivenciado algo, ou por conhecer alguma história de contexto e situação parecida.
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As características principais observadas pelo grupo foram:
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1) concisão nas falas. Diálogos em sua maioria curtos, também com pouca interferência de um narrador, seja observador, seja personagem. Dessa forma, as leituras foram feitas de maneira muito dinâmica. Cada participante lia uma fala de um personagem. Foi preciso estar bastante atento ao ritmo da leitura. Atentar-se à narrativa e às vozes que a contavam;
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2) Uso livro e abusado e muito propício de palavrões. Um retrato do que acaba se tornando a fala das pessoas dependendo das situações em que se encontram;
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3) Incomunicabilidade. Os personagens falam, falam, falam, mas não se ouvem. São vozes soltas entrecruzando-se. Fica clara uma incapacidade auditiva durante uma conversa. Há o interesse em ser ouvido, mas não em ouvir.
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4) A construção da narrativa é toda "quebrada". Não há um começo, meio e fim. Há somente um meio. Um recorte de alguma situação específica. Uma fotografia com legenda. O começo das histórias denota uma conversa já em andamento, e o seu final não é explicado ao sujeito-leitor. A ideia de um final que não é um final, sinalizada por Piglia em suas teses sobre o conto, pode ser encontrada nestes contos de Vilela.
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Após as leituras, foi feita a proposta, aos participantes, de escrita de uma ou mais narrativas - contos - constituídos intrinsecamente por diálogos. Com a possibilidade de uma descrição ou outra, mas que sua essência fosse toda com base em diálogos entre dois ou mais personagens. Sem necessidade de algum questionamento crítico implícito, como tivemos a oportunidade de observar, também, nos contos do livro "A cabeça", mas sim que se constituísse como uma forma de diálogo próxima à encontrada nos contos, a incomunicabilidade, a discussão entre os personagens, o falar, falar e não chegar a conclusão nenhuma.
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Nos próximos dias, até o próximo encontro, neste blog serão postadas as produções escritas dos participantes deste encontro.
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Ítalo Puccini, pesquisador mediador.

terça-feira, 4 de maio de 2010

primeiro círculo

Hoje realizamos o primeiro encontro do Círculo de Leitura e de Produção escrita. Estiveram presentes nove alunos de diferentes fases do Curso de Letras Licenciatura da Univille.
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Foi feita uma conversa inicial sobre a proposta do Círculo, os objetivos de tal pesquisa, as possibilidades de pensarmos as práticas da leitura e da escrita em grupo.
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Neste blog serão postados, além dos textos a serem produzidos pelos acadêmicos participantes, relatos dos encontros, sugestões de leitura, pensares sobre o ler e o escrever.
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Neste primeiro Círculo, iniciamos com a leitura de um trecho do livro "Formas Breves", do escritor argentino Ricardo Piglia, o autor d' "O último leitor", livro que ilustra o nome deste blog. O trecho do livro citado era intitulado "Teses sobre o conto", no qual o autor apresente alguns excertos sobre a construção e a leitura do conto. Suas duas teses principais são: "um conto sempre conta duas histórias" e "a história secreta é a chave da forma do conto e de suas variantes".
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Foram 45 minutos de leitura. Cada participante leu alguns trechos do livro em voz alta, e a conversa girou sobre a ideia apresentada por Piglia sobre o conto: as referências citadas, a narrativa lida e construída sobre este pensar, de uma história que é escancarada ao leitor, ao mesmo tempo em que há uma outra história, subentendida, escondida, segredada ao leitor num primeiro momento, alcançada, então, na busca pelo final da narrativa.
_____O próximo encontro do Círculo será no dia 22 de maio. Momento de partir da teoria à prática. À leitura de alguns contos e à escrita dos mesmos.
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Ítalo Puccini, pesquisador mediador.

domingo, 2 de maio de 2010

Apresentando o projeto

Leitura e produção literária no espaço universitário
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Acadêmico: Ítalo Puccini
Orientadora: Profa. Dra. Taiza Mara Rauen Moraes
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É sabido que o ato de ler está diretamente relacionado ao desenvolvimento da consciência do ser humano como cidadão participante de uma sociedade, e que o influencia na maneira de pensar e agir. O ser humano, ao fazer uso constante da leitura, passa, com o tempo de prática, a desenvolver em si virtudes e aptidões anteriormente “apagadas”, ou não existentes. Isto se dá pelo fato de que, ao adotar a leitura como atividade de prática constante em sua vida, o ser humano passa a melhor conhecer-se e a compreender-se, assim como a compreender o mundo e o que realmente quer significar esse ato de ler.
A leitura do texto literário justifica sua importância no contexto universitário por proporcionar ao sujeito-leitor esse desenvolvimento crítico referenciado acima. A pesquisa “Leitura e produção literária no espaço universitário” apresenta como hipótese o trabalho com Círculos de Leitura e de produção escrita para propiciar a reconstrução do olhar do aluno sobre o texto literário devido a sistematização de leituras do gênero.
O objetivo geral da pesquisa é o de despertar a sensibilidade crítica do acadêmico do Curso de Letras Licenciatura da Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE – para a multiplicidade de sentidos do texto literário, focando diferentes formas de leitura e de escrita, objetivando a divulgação em blog dos textos produzidos pelos participantes, uma vez que a leitura e a escrita só farão sentido a partir das experiências de vida, conscientes e inconscientes, atribuindo ao lido marcas da memória, intelectual e emocional. Assim, a presente pesquisa se justifica pela necessidade de ampliar o espaço da leitura e da escrita do texto literário no contexto universitário, porque as obras literárias, sendo arte, constituem-se como ferramentas para a formação ética e social ao proporcionar ao sujeito-leitor a possibilidade de reavaliar visões de mundo.
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Cronograma dos Círculos de Leitura
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Às Segundas-feiras: das 18h às 19h
Aos Sábados: das 9h às 11h
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Sempre na sala LAPPE – A 223 (logo após a coordenação do curso)
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Maio: 03 (segunda-feira) e 22 (sábado)
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Junho: 07 (segunda-feira), 19 (sábado) e 28 (segunda-feira)
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Agosto: 02 (segunda-feira) e 21 (sábado)
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Setembro: 13 (segunda-feira) e 25 (sábado)
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Outubro: 04 (segunda-feira)
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Total de 10 encontros.
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Ítalo Puccini