quarta-feira, 26 de maio de 2010

Ônibus - por Juliana do Amaral

Tarde de sábado. A mãe sentada no ponto de ônibus, impaciente, o filho do lado, balançando as pernas no ar. Um homem de meia idade aproxima-se e senta ao lado. Puxa um cigarro.
- Ah, mas era só o que me faltava...
- Que foi, dona? Tá falando comigo?
- Você não viu que tem criança aqui, não? Chega mais pra lá, filho, chega mais pra lá que eu não quero você respirando essa fumaça fedorenta.
- Ah, dá licença! Vai encher o saco de outro, vai!
- Olha o respeito, seu vagabundo! Não sabe que isso faz mal à saúde?
- A saúde é minha, o problema é meu! Vê se me deixa!
- Eu só acho que o senhor devia respeitar a criança! A coitada não tem culpa – responde, num tom de despeito.
O menino olha de viés. Depois torna a abaixar a cabeça, olhos fixos nos pés que voam alternadamente.
- Pó, dona, já não basta os meus problemas, ainda tenho que ficar ouvindo sermão? Dá licença!
- Hum. Problema todo mundo tem. Eu também tô assim, ó, de problema. Cigarro não resolve não. Vai por mim. Eu sei.
O homem olha ironicamente para a mulher ao seu lado. Só agora descobriu com quem estava falando.
- Então a senhora já...
- Parei quando – traça um semicírculo sob o ventre, fazendo sinal com a cabeça em direção ao filho.
- Pode não resolver. Mas alivia.
- É.
Após breve silêncio, ele oferece, num sussurro:
- Um traguinho?
- Você tá louco?
- Eia! Não quis ofender, não.
- Só quero se for um inteiro.
Retira do bolso a carteira amassada e passa um cigarro para a mulher ao seu lado.
- Fogo?
- Aham... Obrigada.
Dá uma tragada profunda e lenta. O filho observa, sem entender.
- Fica longe, filhinho. Essa fumaça faz mal.
Levanta-se, dissipando a nuvem com a mão. Olha para a rua.
- Essa droga desse ônibus... Sempre atrasa.
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produção proveniente do segundo encontro do Círculo de Leitura e de Produção Escrita.

2 comentários:

  1. Que texto vivo! Sim, vivo.
    Não é assim, pois, a vida!? Repleta de contradições...
    Pois bem: "essa droga desse ônibus"!
    Gostei muito!

    Um abraço,
    Ana.

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  2. Oie!

    Gostei bastante!

    Talvez ela não devesse ter tragado, mas mesmo assim ficou ótimo!

    Ah lembrei daquela música infame!
    "Vou apertar, mas não vou acender agora..."

    Bjos,

    Clari

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